SIM SENHOR? NÃO SENHOR!
No cenário de uma sociedade que mesmo no subdesenvolvimento, respira ares da pós-modernidade. Dentro de uma policia que já se prepara para oferecer a sociedade, práticas policiais oriundas de estudos filosóficos, permeadas por concepções sociológicas e elemento de estudo de várias ciências humanas (falo do policiamento comunitário) encontro um paradoxo muito grande e me engasgo na dialética caduca dos que confundem eficiência policial com truculência e autoritarismo e também, torturas moral, física e psicológica, com qualidade na formação policial.
Foi discussão na imprensa do estado, no âmbito policial nos últimos anos e parte da pauta de reivindicações de nossas associações em todos os momentos que pudemos discutir qualidade policial com nossos governantes, a reabertura do CEFAP (centro de formação e aperfeiçoamento de praças da policia militar). E muitas vezes com certa dose de saudosismo, atribuía-se ao fechamento desse, aspectos da má formação dos policiais, que visivelmente vão às ruas sem o preparo necessário para atender as necessidades, cada vez mais apuradas da sociedade, então democrática.
Mas será que o problema de formação da policia está mesmo relacionado ao fechamento do CEFAP? Esta interrogação abre margem para uma longa e talvez inesgotável discussão.
Relatos dos que antes foram “adestrados” naquela unidade escola, dão conta de que a formação tinha como principio fundamental, o uso exagerado da hierarquia, que na maioria das vezes (senão em todas) era autoritária e abusiva, a sobrecarga de exercícios físicos que extrapolava a capacidade humana, Por vezes, alunos eram submetidos ao uso indiscriminado de gás lacrimogêneo, choques elétricos, mergulhos na lama dos manguezais, dias detidos no interior da unidade, muitas vezes por simples deslizes característicos da espécie humana quando submetida ao “stress” psicológico excessivo. Sem levar em conta aqui, o tratamento diário, que tinha como base um vocabulário rasteiro e pejorativo, que, diga-se de passagem, ainda sobrevive até hoje. (Seu monstro, seu Bebé, Seu din-din de pus, Seu ridículo. Dentre outros...)
Desse “laboratório” saiam os policiais perfeitos para atenderem as exigências do regime autoritário e truculento que permeou a vida política e social do país durante anos e quando se foi, deixou a maldita herança no “superego” policial. Mas será que esse modelo de formação atende aos anseios da sociedade atual?
É ponto de abordagem certo nos discursos dos oficiais nas aulas de abertura dos cursos de formação, a admissão de que os tempos mudaram, a policia deve ser agora humana e cidadã, o policial precisa ter um novo perfil e até atribuem a nós recrutas, a missão de dar essa nova roupagem a nossa corporação. È fato que o policial precisa entender-se também como parte integrante do tecido social, precisa ver-se como cidadão e acima de tudo como individuo capaz de promover a justiça e a cidadania, tendo como princípios morais à dignidade e os valores humanos. Mas, passada à euforia do discurso inaugural, começamos a viver a realidade. Primeiro, parte dos que recebem a missão de bem formar o policial, são os mesmos que “deformavam” ou foram “deformados” há anos atrás. Muitos sem didática, sem dimensão pedagógica, alguns sem conhecimento teórico e reféns de práticas escolares ultrapassadas. Muitos dos que se propõem a lecionar estão alheios ao dia-a-dia das ruas, portanto, distantes da realidade e dos anseios da população. Outros atrelados ao militarismo arcaico das ditaduras, que cognominou o policial de guerreiro e o cidadão comum, conseqüentemente, de inimigo.
Precisamos urgentemente de um currículo adaptado a nossa realidade, direcionado as necessidades de uma sociedade que agora aspira a consumação da democracia e acima da tudo, “de professores habilitados não apenas no conhecimento técnico, mas igualmente nas artes didáticas e no relacionamento interpessoal, pois só assim seremos capazes de formarmos policiais que atuem com base na lei e nos princípios da hierarquia e disciplina, mas com autonomia moral e intelectual.”
Na verdade o que vemos na prática é um total descontrole e uma completa falta de planejamento na condução dos cursos, que seguem a ordem que há décadas está posta e ainda se realiza na maioria das vezes, engolindo os poucos conteúdos programados, em detrimento dos famigerados PPO’s , dos horários vagos e das aulas de ordem unida,que compõem a metade ou mais do tempo que se passa no âmbito das academias.
Sabe-se através de estudos científicos que há uma tendência muito forte para que num futuro breve, os modelos de policia interativa, aqui cognominada de policia comunitária, sejam predominante na sociedade, que caminha para a pós-modernidade. Mesmo assim, sequer uma disciplina voltada ao debate e a exposição prático/teórica desse modelo, fez parte da grade curricular do curso de formação de cabos da PM-RN no ano de 2006. Em entrevista informal com alunos do curso de formação de soldados do mesmo ano, ouvi de vários deles que não ouviram se quer falar de tal modelo de policiamento no centro de formação, mesmo assim, muitos deles foram engrossar as fileiras de uma unidade, que diz praticar essa modalidade de policiamento. Será que apenas a pratica é suficiente quando queremos aplicar algo que surge de estudos científicos?
Para AUGUSTO COMTE, apesar das criticas modernas ao espírito positivo, não haverá sucesso na aplicação de nenhum modelo se esse não for na prática, precedido por conhecimentos teóricos. E comenta “não se pode pretender que a organização da sociedade ou de qualquer modelo social seja um negócio de pura prática a ser confiada a conhecedores rotineiros”.
O que se espera do policial pós-moderno é que ele seja capaz de ver no cidadão não um inimigo, mas um parceiro na execução de sua tarefa, que nesse contexto não pode ser mais uma “missão”, mas uma tarefa como são tantas outras, de tantos outros funcionários que alimentam a burocracia do Estado. Da escola, esperamos uma revisão das metodologias, com ênfase em um currículo mais significativo, menos verticalista e mais participativo e com o desprezo da hierarquia autoritária, arbitrária e intransigente, que como nada constrói, ainda destrói a boa relação, a interatividade, a participação e o relacionamento interpessoal, tão necessários para o desenvolvimento humano e para o crescimento da corporação, que vive o caos promovido por esse choque de identidade com a sociedade.
Não será o CEFAP a salvação da lavoura. Mudanças não resolvem os nossos problemas. Serão necessárias transformações substanciais na cultura de formação. Não é o local em que estamos estabelecidos que promoverá a boa formação do policial. O material humano, a grade curricular, os recursos técnicos, didáticos e pedagógicos, a definição de objetivos, o rumo a que queremos seguir, a aceitação do novo, a metodologia participativa, a concepção de que a cadeia hierárquica não pressupõe capacidade e/ou qualificação, a troca dos instrutores por professores educadores, estão entre os fatores que poderão promover resultados substanciais e imediatos para a policia de uma sociedade que se caracteriza pelo caráter descartável de suas relações.
CB PM MARCOS TEIXEIRA
Sociólogo e educador
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